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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Nasci na favela sim!!!







Sim, eu nasci e cresci na favela e não tenho vergonha disso. Aprendi desde cedo que favelado, não é quem mora na favela, que existe muita gente que sempre morou em seus apartamentos e não sabem falar como uma pessoa civilizada, que grita, berra, xinga alto,...isso pra mim é ser favelado. As pessoas menos afortunadas sabem o valor que cada coisa tem e dão muito mais valor. Você já foi na casa de uma pessoa mais "humilde" e de uma que tem "posses"? A mais humilde trata tudo com muito mais esmero que a outra.

Meu pai veio do nada, com 18 anos resolveu sair na casa do pais na Paraíba porque não aguentava mais as dificuldades que passava por lá e veio com a meta de "subir na vida". Chegou em São Paulo e não tinha nenhum casaco pra usar, chegou logo no inverno, ele conta que sofreu no frio até um senhor que o conhecia lhe dar dois casacos velhinhos. Ele nunca ficou tão agradecido...Mas não aguentou ficar mais de um ano em SP, muito frio, conta ele. Foi pro Rio de Janeiro, trabalhou em supermercados,...Foi aí que ele conheceu minha mãe, outra que tinha saído nova de casa (em Minas Gerais), saiu pra trabalhar em "casa de família", morava aonde trabalhava, já que não tinha aonde morar. Trabalhou até na casa de um jogador de futebol do Fluminense, não me lembro o nome.

Resolveram morar juntos logo quando meu pai conseguiu um trabalho numa multinacional. Na época, não pediam faculdade ainda, tinha que fazer uma prova. Ele agarrou esse trabalho com todas as forças e lá se vão mais de 35 anos de empresa.

Minha mãe continuava trabalhando limpando a casa dos outros, fazendo unhas e costuras. (Hoje já não limpa casa dos outros, mas continua com a unhas e as costuras, é algo que ela gosta!).

Quando eu nasci, vivíamos no fundo das casa de uma senhora, uma escadaria enorme(que parecia  a escadaria da igreja da Penha! Hahahaha). Mas logo nos mudamos para uma quitinete alugada, na favela. Quando eu tinha 6 anos, nos mudamos para nossa primeira casa. Meu pai tinha conseguido juntar dinheiro pra comprar uma casa, mas quando ele estava fechando o negócio, o Collor travou todas as contas. Sorte que o dono da casa era conhecido do meu pai e aceitou como parte a televisão, que havíamos ganhado, do trabalho do meu pai (primeira TV colorida que tínhamos) e o ar condicionado recém comprado.

Lembro de coisas que meus pais nem devem imaginar! Lembro da minha mãe me deixando na escola e pedindo pra moça da cantina me dar o lanche que na volta ela daria o dinheiro. Saía batendo nas portas das casas aonde ela costumava limpar pra saber se iam querer limpeza no dia pra ela poder me buscar na escola com o dinheiro do lanche na mão. Quando ela ia me buscar, a maçã que ela tinha levado como almoço, ela me dava quando eu dizia que estava com fome...

Apesar da minha mãe nunca ter deixado de trabalhar, ela nunca me deixou com "estranhos" pra sair ou se divertir. Eu sempre estive em primeiro lugar (junto com meu pai, óbvio ...e até meu irmão nascer, depois perdi o posto! Hahahaha). Família em primeiro lugar, eu aprendi assim, porque meus pais me ensinaram assim. Minha mãe trabalhava sim e o tempo que ela tinha de folga, era gasto comigo!

Eu indo ao parque, eu andando de bicicleta, eu indo à praia (sim, eu ía à praia), eu indo brincar na casa dos primos,...Sempre com papai ou mamãe ou papai e mamãe! Só me deixaram começar ir a escola sozinha porque meu irmão nasceu (porque enquanto minha mãe tava com ele na barriga, ela continuava me levando e me buscando mesmo eu dizendo que não precisava).

Apesar de todas as dificuldades, meus pais nunca me deixaram estudar em escola pública, o que não teria problema nenhum, mas nós sabemos como existe preconceito com o estudo público no Brasil.

Quando fiz 16 anos, meu pai realizou o sonho dele: Ter uma casa própria fora da favela.

Eu lembro que as vezes, eu via meu pai olhando pela porta com uma cara de tristeza e dizia: "A gente ainda vai sair desse lugar!". Eu não tenho preconceito, ele não tem preconceito, nossa família quase toda ainda mora na favela, mas esse sempre foi o sonho dele, ele trabalhava pra isso! Passava fim de semana descarregando navio pra ganhar um dinheiro a mais! Ele mereceu!!!

Mesmo com a casa própria, carro zero,...Ele nunca perdeu o hábito de economizar. "Não sabemos o dia de amanhã" dizia ele. "Melhor ter sobrando do que faltar".
As vezes eu achava que ele estava exagerando na economia e até brigava!

Acabei me casando e me mudei de estado, morava de aluguel. Meu pai vendo a dificuldade, resolveu comprar um apartamento aqui pra eu poder ficar mais tranquila. Não pagou a vista, deu uma boa entrada e parcelou o resto, o preço da parcela é o preço de um aluguel, mas tem um fim, é nosso!!! (o q é do meu pai, é meu! Hahahaha)

Hoje eu vejo sentido pra tudo que ele fez, hoje eu vejo tudo que meus pais fizeram por mim, hoje eu tenho orgulho de tudo, de todas as vezes que ele me negou algo. E me arrependo por não ter dado valor desde o começo, mas com a responsabilidade, vem a maturidade, e vem a consciência (para algumas pessoas não chegam nunca!)!

Então se você acha que me ofende falando sobre eu ter vindo da favela, não me ofende não! Porque eu sei como é subir na vida e o q é ter dificuldade, você não! Tá aprendendo agora, o que eu acho que é a maneira mais difícil, porque a hora de ficar debaixo das asas dos pais já foi...

Não seja asnático, tire teus antolhos e olhos para o mundo!

Paz & Luz!!!

Texto:  Bia de Alcântara (Twitter @bbiaalcantara)
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